Perícia médica confirmou diagnóstico apresentado pelo candidato que fora ignorado na avaliação biopsicossocial realizada no certame
O juiz Jefferson Maria, da 12º Vara Cível de Belo Horizonte (MG), determinou que engenheiro com Transtorno do Espectro Autista (TEA) concorra às vagas destinadas às pessoas com deficiência (PCDs) após ser eliminado na avaliação biopsicossocial em concurso da Petrobras realizado em 2023. A sentença foi proferida no último dia 12 de setembro.
A eliminação ocorreu mesmo com a inclusão, no ato da inscrição, de laudos psiquiátrico e neuropsicológico do candidato que atestam o TEA. A comissão constituída pelo Cebraspe (Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos), banca organizadora do concurso, também desprezou a carteira de identificação de pessoa com TEA e a credencial de estacionamento especial apresentadas pelo engenheiro.
Na produção de provas realizada durante a tramitação do processo, o juiz exigiu realização de perícia médica, feita em Belo Horizonte em junho deste ano e que confirmou os laudos apresentados pelo candidato. O perito ressaltou, inclusive, que o engenheiro já havia participado de três concursos públicos – da Cemig, da própria Petrobras e do Senai, onde trabalha atualmente – e em todos teve sua inscrição como PCD deferida.
“Admite-se o controle judicial dos atos administrativos sob o aspecto da legalidade da atuação administrativa, em situações excepcionais. Tendo em vista que o laudo pericial enquadra o requerente como pessoa com deficiência, a decisão atacada padece de legalidade”, avaliou o juiz em sua sentença.
“Entendo que deve se proceder à revisão pretendida pela parte autora, eis que a avaliação realizada por equipe multiprofissional é destoante do registrado por meio de prova supracitado”, completou o magistrado, referindo-se ao laudo emitido na perícia médica. Por fim, incluiu o candidato na lista destinada às vagas para PCDs, na qual o engenheiro ficou na primeira colocação para o cargo de Técnico de Manutenção Mecânica.
Combate ao capacitismo
No próximo dia 27 de dezembro, a Lei 12.764, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, completa 12 anos. Mesmo após mais de uma década, contudo, esses direitos seguem sendo ignorados por bancas de concursos públicos, observou o advogado Israel Mattozo, sócio fundador do Escritório de Advocacia Mattozo & Freitas, especializado em Direito Administrativo com ênfase em concursos públicos e responsável pela ação.
“Um dos principais avanços oriundos da Lei 12.764 foi permitir que pessoas diagnosticadas com TEA concorram às vagas destinadas às pessoas com deficiência em concursos públicos. É uma das ferramentas mais importantes que temos no Brasil para combater o capacitismo que ainda existe em nossa sociedade. Lamentavelmente, contudo, algumas bancas ignoram isso”, comentou o jurista.
Para Mattozo, foi inadmissível a eliminação do engenheiro mesmo com os laudos e documentos apresentados que atestam seu diagnóstico. “Além disso, a equipe multidisciplinar apontada pela banca realizou a avaliação dos candidatos por meio de videoconferência, o que não estava previsto no edital e suscita uma série de questionamentos, dada a complexidade que envolve a comunicação com pessoas com TEA”.
O advogado lembrou a feliz coincidência da sentença ter sido proferida justamente no mês de setembro, celebrado como mês oficial de luta pela inclusão da pessoa com deficiência e conhecido como setembro verde. “Espero que as bancas interpretem sentenças como esta da 12º Vara Cível de Belo Horizonte como um alerta. Se realmente queremos um país mais inclusivo, mais justo e que de fato respeite a diversidade, é fundamental que situações como a que ocorreu neste concurso não se repitam”.