1. Introdução
Prestar um concurso público pode ser considerado como uma carreira, uma profissão que exige muito tempo de preparação, investimento financeiro, dedicação e persistência. E depois de muitos sacrifícios, quando chega a hora tão esperada de realizar a prova objetiva, geralmente, a primeira etapa de tantas outras, o candidato pode se deparar com a desorganização ou imperícia da banca organizadora ao constatarem que alguns assuntos que balizaram determinadas questões do certame não eram previstos no conteúdo programático estipulado pelo edital.
Quando isso acontece, o que pode ser feito? O candidato pode questionar judicialmente essas questões? O Poder Judiciário tem autoridade para anular questões de concursos? Quem será beneficiado caso fique constatada a irregularidade, todos os candidatos? São essas questões que esclarecemos, de forma resumida, neste artigo.
2. Como recorrer de questões com conteúdos não previstos no edital, quem se beneficia
Todas as questões precisam, necessariamente, tratar sobre os assuntos e temas previstos no edital. Qualquer questão que fuja do que foi previsto em edital deve ser questionada, incialmente, na esfera administrativa e, na sequência, caso a banca não reconheça o equívoco, na esfera judicial.
Outro aspecto que também pode e deve ser questionado se refere a erros materiais na elaboração das questões: acentos e pontuação incorretos que prejudicam a interpretação, duplicidade de respostas, inexistência de resposta possível, sinais equivocados nas questões de matemática, por exemplo, ou qualquer outro erro na digitação que interfira, notoriamente, a interpretação e a marcação da resposta correta.
Em razão do princípio da isonomia, vinculação ao edital, ilegalidade patente das questões questionadas e o imperioso entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal pelo RE 632853, com repercussão geral, é perfeitamente possível que o candidato questione as questões, primeiramente, na esfera administrativa por meio de requerimento próprio, dentro do prazo determinado em edital.
Caso o candidato perca o prazo de recurso administrativo, ainda é possível acionar a justiça pelo prazo de até 5 (cinco) anos a contar da data de divulgação do gabarito oficial definitivo da prova objetiva ou dissertativa. É claro que o ideal é acionar a banca e/ou a Justiça o quanto antes para conseguir permanecer no certame seguindo as etapas subsequentes. Mas saiba que é possível recorrer, mesmo que todas as etapas já tenham ocorrido no período inicial do concurso.
Ao acionar a Justiça, o candidato deverá requerer do poder judiciário o controle jurisdicional da legalidade do concurso público. Assim, é exigido que aquelas determinadas questões sejam anuladas e a nota seja computada para o autor da ação.
É importante destacar que, em muitos casos, a banca não reconhece os erros de ofício e não credita os pontos de forma ampla para todos os candidatos. Isso significa que apenas aqueles que acionarem a Justiça, quando tiverem o pedido de liminar concedido e, na sequência, sentença favorável definitiva, terão a pontuação acrescida sendo beneficiados na classificação em outras etapas subsequentes ou, no mínimo, melhorando a classificação final.
3. O Poder Judiciário tem autoridade para anular questões incorretas de concursos
Quando infrutífera for a tentativa de recorrer na esfera administrativa, busca-se a Justiça para que use da autoridade própria para exigir a anulação das questões. Imperioso observar que é nítida a possibilidade do Poder Judiciário revisar o conteúdo de questões de concurso público, quando houver a ocorrência de ilegalidade e inconstitucionalidade.
Nesse sentido, observa-se a ementa do julgamento do tema de repercussão geral nº 485 proferido pelo Supremo Tribunal Federal:
Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Concurso público. Correção de prova. Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. Recurso extraordinário provido. ( RE 632853. Relator Min. Gilmar Mendes. Tribunal pleno. J. 23/4/2015) (g.n) .213 – SP; 3ª turma; Ministro Relator: Sidinei Beneti; Julgado em 15.03.2012).
Inicialmente, caso se observe ilegalidades praticadas pela administração pública e pela banca organizadora a partir de notórios erros grosseiros apontados nas questões objetivas, se estas não foram corretamente sanadas por meio da interposição de recursos administrativos, é cabível o acionamento judicial, normalmente por meio de uma ação ordinária. Desta feita, os erros apontados se enquadram perfeitamente nas hipóteses passíveis de intervenção do judiciário, conforme posicionamento do Supremo Tribunal Federal no MS 21176, plenário, e RE 140.242, 2ª turma.
Estes casos demonstram confronto entre o denominado “princípio da proteção da confiança” que se vincula à boa-fé objetiva e à segurança jurídica e deveria revestir a legitimidade dos atos emanados pelo Poder Público como um todo. Logo, o confronto entre as razões dos recursos administrativos interpostos perante os quesitos elaborados pela banca examinadora e a justificativa dada, que diverge completamente da doutrina, lei e jurisprudência configuram atos arbitrários e ilegais.
A possibilidade de o Poder Judiciário intervir em tais casos é uníssona com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CONCURSO PÚBLICO. ESTADO DE MINAS GERAIS. PRELIMINARES REJEITADAS. CORREÇÃO DE PROVA DA PRIMEIRA FASE DO CERTAME. ANULAÇÃO DE QUESTÃO DE PROVA OBJETIVA PELO PODER JUDICIÁRIO. HIPÓTESE EXCEPCIONAL. FLAGRANTE ILEGALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJMG- AC 10024140539768001 MG, relatora: Ana Paula Caixeta, data de publicação 11/05/2020).
Por fim, em situações excepcionais, em que os vícios constantes de questões objetivas não puderem ser sanados, admite-se a interferência do Poder Judiciário para anular questão eivada por vício invencível e grosseiro, prejudicial à idoneidade que se espera dos concursos públicos.
4. Conclusão
É certo que erros e abusos ocorrem em diversos concursos públicos realizados pelo país. E quanto maior o número de etapas, maior a chance de algum equívoco ocorrer e prejudicar algum ou muitos candidatos.
Buscar a realização de um processo justo e legal é direito de todos os candidatos e obrigação da Instituição Pública e das bancas organizadoras, ressalvada a isonomia, a imparcialidade, a vinculação ao instrumento convocatório (edital) e a razoabilidade.
Para tanto, busque um escritório de advocacia especializado na área para que, de forma assertiva, ofereça o devido amparo à sua necessidade.