Desembargador mantém candidato em cotas para negros no concurso do Tribunal de Contas do Distrito Federal

Magistrado destacou que “ato administrativo impugnado desconsiderou a finalidade das políticas públicas de cotas no combate à discriminação racial”

 

Candidato autodeclarado pardo que disputou uma das vagas reservadas para pessoas negras no concurso do Tribunal de Contas do Distrito Federal obteve o direito de retornar ao certame, após ter sua condição racial negada pela comissão de heteroidentificação do Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe). A decisão liminar em Agravo de Instrumento foi proferida no dia 30 de maio pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), Alvaro Ciarlini.

 

No agravo, o candidato comprovou sua leitura racial não apenas com fotos, mas também com uma série de documentos, como sua certidão de nascimento e ficha cadastral de saúde e de seu trabalho atual. Também foram anexados laudo dermatológico que o situou no Nível IV da Escala de Fitzpatrick, classificação internacional de fototipos de pele mais adotada no mundo, e a homologação de sua autodeclaração pela comissão de heteroidentificação de outro concurso público, da Prefeitura de São Paulo.

 

Na decisão, o desembargador criticou a justificativa da banca da Cebraspe que eliminou o candidato no procedimento de heteroidentificação. “No caso concreto, é perceptível que a decisão que negou provimento ao recurso interposto pelo candidato, a despeito da pluralidade e diversidade das alegações por ele articuladas, teve fundamentação exígua e genérica”. Esta motivação genérica, no que diz respeito ao controle de legalidade do ato administrativo, “equivale à ausência de motivação”, entendeu o julgador.

 

Pelo conjunto de provas apresentadas e pela ausência da devida motivação nas justificativas das comissões de heteroidentificação do concurso – tanto a de primeira análise quanto a banca recursal –, o desembargador avaliou que “as alegações articuladas pelo recorrente são verossímeis” e, mais importante, ressaltou que “o motivo do ato administrativo impugnado desconsiderou a finalidade das políticas públicas de cotas no combate à discriminação racial”.

 

A observação final do magistrado mereceu elogios do advogado Israel Mattozo, especialista em Direito Administrativo e sócio fundador do Escritório de Advocacia Mattozo & Freitas, responsável pela ação. “É alvissareiro quando o Poder Judiciário faz valer o real sentido das cotas de ações afirmativas, que é justamente combater a desigualdade advinda do preconceito e da discriminação racial. Em suma, cotas só têm razão de existir se, de fato, confrontam o racismo que impera em nossa sociedade”.

 

Para o advogado, membro do Instituto de Estudos Aplicados à Seleção Pública (IEASP), a comunidade jurídica precisa se atentar para os equívocos em série cometidos por comissões de heteroidentificação no Brasil. “As comissões têm um papel crucial, que é o de impedir fraudes. Mas isso não basta. É preciso um aperfeiçoamento nas avaliações, de modo a coibir pareceres sem um mínimo de fundamentação, como no caso em tela. Se isso não ocorrer, cada vez mais o Judiciário terá de intervir para impedir injustiças, como ocorreu nesta decisão do TJDF”, encerrou.

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