Juiz ordena matrícula de candidato reprovado em comissão de heteroidentificação do IFRS

Estudante já havia sido beneficiado pela política de cotas da instituição em 2019, mas teve nova autodeclaração negada quatro anos depois

A Justiça Federal gaúcha garantiu matrícula de um estudante no IFRS (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul) que foi aprovado nas vagas destinadas a pessoas negras, mas teve sua autodeclaração como pardo negada pela comissão de heteroidentificação da instituição. A sentença foi proferida pelo juiz Ricardo Alessandro Kern, da 1º Vara Federal de Bento Gonçalves.

Na decisão, o magistrado entendeu que não houve a devida fundamentação da comissão de heteroidentificação na justificativa que indeferiu a autodeclaração e suspendeu o parecer desfavorável da banca, o que garantiu o ingresso do estudante no curso superior de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas.

A percepção do tribunal acerca da falta de esclarecimento já havia sido apontada em julgamento anterior, que garantiu a tutela de urgência para o pedido feito pelo estudante. “Não se sabe o que levou a comissão a desacolher a pretensão do requerente. Por exemplo, não há como identificar se a conclusão decorre dos traços do rosto, da tonalidade da pele ou de alguma característica que tenha sido levada em consideração. O candidato possui o direito de saber exatamente por que a sua autodeclaração não foi acolhida. Há fundada dúvida acerca das razões da comissão, já que não menciona os critérios fenotípicos considerados, inviabilizando inclusive o exercício do direito de defesa”, pontuou.

“A decisão escancara uma falha recorrente nas comissões de heteroidentificação no Brasil, não apenas as de universidades públicas, mas também as de concursos, que é a falta de transparência e de critérios subjetivos para invalidar autodeclarações, principalmente de pessoas pardas”, comentou o advogado Israel Mattozo, sócio do escritório Mattozo & Freitas, responsável pela ação. “O papel das comissões é extremamente importante como mecanismo subsidiário de aferição dessas autodeclarações, principalmente para coibir fraudes. Mas enquanto os procedimentos não forem aprimorados, veremos cada vez mais o Judiciário sendo obrigado a intervir para reparar injustiças”, avaliou o jurista.

Estudante já havia sido aprovado pela comissão do IFRS em 2019

Um dos pontos destacados pelo juiz para embasar sua decisão foi o fato de a autodeclaração do estudante ter sido homologada anteriormente por outra comissão de heteroidentificação do próprio IFRS, quando ele fez o curso superior de Tecnologia em Logística nas vagas destinadas às cotas raciais. “O autor ter sido caracterizado como negro pela própria instituição, para os mesmos efeitos de classificação em processo seletivo, a partir de processo idêntico de heteroidentificação no qual se confirmou sua condição de pardo a partir da autodeclaração, há apenas quatro anos (2019), demonstra a indicada decisão administrativa insustentável, corroborando a necessidade de deferimento do pleito inicial”.

O desprezo pela aprovação anterior também foi criticado por Mattozo. “Sem nenhum embasamento legal, as comissões de heteroidentificação não apenas do IFRS, mas de todo o país, determinaram que somente o critério fenotípico deve ser levado em conta em suas avaliações. Isso vai de encontro a decisões do STF e de vários outros tribunais. Uma comissão anterior da própria instituição entendeu o candidato como negro. Essa aprovação deveria ter sido levada em consideração, mas não foi. Felizmente, a Justiça Federal gaúcha corrigiu a falha, permitindo a matrícula do estudante”, finalizou.

 

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