Parecer de comissão de heteroidentificação que resultou na eliminação foi suspenso, o que garantiu direito do autor a concorrer às vagas destinadas às cotas raciais
A Justiça de São Paulo garantiu que candidato pardo inscrito no concurso público para outorga de delegações de notas e registros de Alagoas siga no certame dentro das vagas destinadas às cotas raciais. A decisão que suspendeu a eliminação e anulou parecer da comissão de heteroidentificação estabelecida pela Vunesp (Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) foi proferida no dia 3 de setembro pelo juiz Márcio Luigi Teixeira Pinto, da 4º Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública de São Paulo.
O magistrado reconheceu que “a adequação como pessoa preta/parda é dotada de subjetividade, mas é fato que não se pode presumir a má-fé daquele que se entende nessas situações, especialmente pela miscigenação do povo brasileiro”. A avaliação vai ao encontro do pensamento do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, relator da Ação Declaratória de Constitucionalidade 41 (ADC 41), que analisou a Lei 12.990/2012, aquela que criou as cotas raciais nos concursos públicos: “Quando houver dúvida razoável sobre o seu fenótipo, deve prevalecer o critério da autodeclaração da identidade racial”, discorreu, à época, o atual presidente do STF.
Na decisão, o juiz paulista destacou que “o autor apresentou diversas fotos em que facilmente pode-se concluir que sua autodeclaração como pardo não parece ser equivocada ou dotada de má-fé e, por isso, em uma análise sumária, merece a continuação no certame”.
O concurso para outorga de delegações de notas e registros de Alagoas foi organizado e realizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) por determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), após uma série de dificuldades e obstáculos apresentados pelo Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL).
ENAM e Escala de Fitzpatrick
Além das fotos mencionadas pelo juiz, o candidato apresentou um conjunto robusto de provas que não apenas endossam sua autodeclaração, mas evidenciam o despreparo das comissões de heteroidentificação da Vunesp, tanto a original quanto à destinada à fase recursal.
Em março deste ano, o autor se submeteu à comissão de heteroidentificação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) na primeira edição do Exame Nacional da Magistratura (Enam) e teve sua autodeclaração racial homologada logo na primeira etapa, sem necessidade de revisão. O documento foi ratificado por dois desembargadores e dois juízes do tribunal mineiro, membros da Comissão de Heteroidentificação do TJMG, inclusive o presidente, desembargador Franklin Higino Caldeira Filho.
Também teve relevância laudo dermatológico apresentado pelo candidato que o insere em fototipo IV na Escala de Fitzpatrick, classificação internacional de fototipos de pele mais adotada no mundo e reconhecida pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). De acordo com a escala, criada pelo médico norte-americano Thomas B. Fitzpatrick em 1976, o autor possui pele “morena moderada”, o suficiente, em conjunto com sua autodeclaração, fotografias e demais provas juntadas, para que se confirme sua leitura racial como parda.
“Não bastassem todas essas provas, a comissão de heteroidentificação da Vunesp não apresentou qualquer justificativa para negar a autodeclaração”, pontuou o advogado Israel Mattozo, sócio do Escritório de Advocacia Mattozo & Freitas, responsável pela ação. “Além disso, a decisão da comissão sequer foi unânime, o que evidencia ainda mais a presença de dúvida quanto às características fenotípicas do candidato. Felizmente, a decisão reparou essa injustiça e permitiu que o autor seguisse no concurso dentro das vagas destinadas às cotas raciais, o que lhe é de pleno direito”, completou o especialista.