Na sentença, candidata parda teve sua autodeclaração confirmada e poderá prosseguir na disputa por uma vaga
O juiz federal Paulo André Espírito Santo Bonfadini, da 20º Vara Federal da Seção Judiciária Federal do Rio de Janeiro, anulou parecer contrário de comissão de heteroidentificação e determinou que candidata autodeclarada parda fosse reincluída em concurso público promovido pela Universidade Federal Fluminense (UFF). A sentença foi proferida no último dia 27 de maio.
Na sentença, o magistrado condenou o parecer apresentado pela UFF que desconsiderou a autodeclaração da autora, não apenas no procedimento inicial de heteroidentificação, mas também na fase recursal. “Diante das informações genéricas prestadas, concluo que o ato administrativo carece de justificação adequada e legítima. O caso da autora, em verdade, não foi fundamentado e individualizado pela UFF”.
Para o juiz, “o registro da conclusão da banca examinadora sem qualquer referência ao caso concreto e, ainda, sem a indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinaram a exclusão da autora implica em violação ao princípio da motivação, além de destoar das regras previstas no instrumento convocatório”, pontuou. “Em nenhum momento houve a afirmação, pela banca examinadora, de quais caracteres visíveis típicos de pessoa parda, tais como tipo de cabelo, formato de nariz e dos lábios, dentre outros, que não teriam sido atendidos pela parte autora”, completou.
A sentença confirmou a tese apresentada pelo Escritório de Advocacia Mattozo & Freitas, responsável pela ação. Ainda que não exista fundamento legal para que as comissões de heteroidentificação de concursos públicos verifiquem a autodeclaração dos candidatos negros somente com base em critérios fenotípicos, é necessário que os pareceres venham devidamente fundamentados, de forma objetiva, nos casos de indeferimento das autodeclarações. Do contrário, o ato administrativo torna-se nulo por impedir qualquer tipo de análise de sua legalidade.
Escala de Fitzpatrick e leitura racial validada anteriormente
Além da ausência de fundamentação dos pareceres da comissão de heteroidentificação da UFF, o juiz considerou outros argumentos apontados pela candidata na ação. Um deles foi laudo dermatológico que situa a autora no Nível V da Escala de Fitzpatrick, ou seja, pessoa com pele morena-escura. De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia, a Escala de Fitzpatrick, de classificação internacional, é “atualmente a mais adotada para determinação de fototipos de pele no mundo todo”.
Também pesou a favor da candidata o fato de ela ter tido sua autodeclaração como pessoa parda chancelada por comissões de heteroidentificação de dois concursos públicos anteriores, um do Banco do Brasil e outro do Conselho Regional de Veterinária do Rio de Janeiro. Por fim, antes mesmo da existência de lei garantindo reserva de vagas para pessoas negras em universidades ou em concursos públicos (promulgadas em 2012 e 2014, respectivamente), a autora já se autodeclarava parda, como restou comprovado por meio da apresentação de Folha de Identificação na Marinha do Brasil, datada de 2010.
Devido à extensa comprovação apresentada pelo Escritório de Advocacia Mattozo & Freitas na ação, o juiz foi taxativo na sentença. “Diante da especificidade da situação e da ausência de motivação idônea, cabe ao Judiciário, excepcionalmente, obstar a exclusão da candidata do certame. Reputo violados o princípio da vinculação ao instrumento convocatório e a lei, considerando que o ato administrativo não foi motivado e que não houve a exposição acerca da efetiva análise do fenótipo do indivíduo para sua exclusão”, concluiu.
“Confesso que me sinto dividido quando nosso escritório obtém uma sentença favorável como esta”, avaliou o advogado Israel Mattozo, sócio fundador do Escritório Mattozo & Freitas. “Obviamente, fico feliz por nossa cliente, que obteve justiça em seu pedido. Mas é lamentável constatar a leviandade das bancas de concursos públicos em seus procedimentos de heteroidentificação. Em um país onde a luta por igualdade racial é travada em inúmeras frentes, é preciso um pouco mais de seriedade, de comprometimento. Do contrário, de que vale termos leis tão avançadas, no sentido de buscar um equilíbrio racial, seja nas universidades, seja no serviço público? Felizmente, o Poder Judiciário está alerta para corrigir essas falhas tão graves”, desabafou o jurista.
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Confira no canal do Youtube do Escritório de Advocacia Mattozo & Freitas um vídeo especial sobre procedimentos de heteroidentificação em concursos públicos: